EP 7 | O cinema feito no Nordeste do Brasil

Olá, bem-vindo ao Fala, Gringo. Eu sou o Leni e criei esse podcast para ajudar você, estudante de português intermediário, a melhorar a compreensão da língua e conhecer melhor a cultura e sociedade brasileira. Você pode acompanhar este podcast com uma transcrição completa e gratuita. Acesse o link na descrição do episódio ou através do Instagram: @portugues.com.leni.

Eu começo o podcast de hoje pedindo desculpas pela ausência. Faz mais de um mês que eu não apareço por aqui. Se você me acompanha pelo instagram, ficou sabendo que o motivo desse sumiço, quer dizer, dessa ausência, é que eu estava de férias. 

Eu estava me mudando de São Paulo, no Sul do Brasil, e aproveitei para conhecer a Argentina já que estava ali pertinho. Então foi isso… Passei um mês na Argentina. Visitei muitos museus em Buenos Aires, inclusive o MALBA, onde vi pela primeira vez uma Obra da Frida Kahlo, que eu adoro.  Desci para curtir um pouco da Natureza da Patagônia. Também conhecemos as bodegas de vinho em Mendoza e o ecoturismo maravilhoso dos arredores de Córdoba.

Enfim, aproveitamos muito, eu e minha namorada, mas ainda ficamos com a sensação de que há muito para conhecer. Então, aos amigos argentinos que escutam o Fala, Gringo!, espero visitá-los em breve! 

E hoje a gente vai falar de cinema brasileiro. Aproveitando que agora eu voltei a morar na Região Nordeste do Brasil, eu pensei que seria uma boa ideia mesclar, quer dizer, misturar esses dois assuntos, e falar da cena de cinema independente do Nordeste. Se você é um amante da sétima arte, mais especialmente do cinema independente, o que chamamos de filme B, a gente vai descobrir muita coisa legal juntos hoje.  Vamo simbora! 


A gente começa com algumas informações sobre o cinema no Brasil.   

80% dos brasileiros veem filmes na TV ou plataformas de streaming regularmente, mas só 17% frequentam o cinema. Os números de sala de cinema seguem uma tendência que se repete no mundo. Quanto maior a cidade, maior a quantidade de salas de cinema. Só 11% das cidades brasileiras tem cinema. 

Inclusive, democratização do cinema no Brasil, ou seja, acesso ao cinema no Brasil, foi o tema da Prova do Enem deste ano. O Enem – Exame Nacional do Ensino Médio, é uma avaliação muito importante feita pelos estudantes brasileiros ao terminarem o terceiro ano, o último ano da escola; e é um exame que mede a qualidade de ensino público brasileiro. 

A nota final do Enem é o que também garante a entrada numa universidade pública. A redação é uma parte importantíssima do exame e geralmente aborda um problema social do Brasil, um desafio para o futuro, algo assim. Então esse foi o tema. Como democratizar e tornar o cinema mais acessível no país? 

Quando se fala em cinema nacional, principalmente para você não-brasileiro, é muito provável que as primeiras imagens que venham à sua cabeça seja o Capitão Nascimento do filme Tropa de Elite, tão conhecido no exterior; ou o Zé Pequeno, do filme Cidade de Deus, outro clássico. Mas não é sobre essas produções que vamos falar hoje. 

O que eu trouxe para vocês é um outro recorte. Vamos falar do cinema produzido no Nordeste. Mas por que vamos falar disso? Só porque acabo de me mudar de volta para o Nordeste? Bom, até poderia ser, mas não necessariamente por esse motivo.

É que nos últimos anos, e especialmente este ano de 2019, o cinema brasileiro brilhou muito! Nossos filmes emocionaram e surpreenderam multidões no Brasil e no exterior, em festivais importantíssimos como o Sundance, Globo de Ouros, Cannes e Festival de Berlim. E sabe o que a maioria deles tinham em comum? São filmes feitos no Nordeste ou realizados por diretores Nordestinos. 

Daí eu achei que apresentar pra vocês alguns desses filmes, seria uma ótima oportunidade de mostrar alguns recortes sociais do Brasil e de quebra, quer dizer, como um plus, vocês ainda garantirem um bom filme para a próxima sessão de cinema em casa. 

Por tradição, a maior parte das produções cinematográficas do Brasil sempre esteve concentrada em São Paulo e Rio de Janeiro. Nos últimos anos, com o apoio de políticas públicas, esse cenário começou a mudar um pouco, e com esse incentivo, outras regiões começaram a desenvolver também suas produções cinematográficas. O que também ajudou para tonar a produção de filmes mais acessível foi a revolução digital, claro, a diminuição de gastos com todo aquele equipamento analógico e o barateamento de produtos a partir do ano 2000. 

Antes de mais nada, é importante lembrar que estamos falando de um cinema Alternativo. O famoso cinema B, aquele filme feito com menos recursos, que não passam por grandes estúdios e talvez até por isso, tenham o desafio de fazer muito com pouco.

Eu pessoalmente adoro filme alternativo, justamente por ser o tipo de filme que aborda realidades não clichês, situações sociais que Hollywood tá nem aí. Sabe, então eu adoro, por exemplo, ver os filmes que contam histórias muito específicas, em países que eu nunca fui ou que eu conheço pouco da cultura, porque independentemente da história, eu sinto que o filme me entrega algo que de alguma forma eu não estava esperando. Realidades diferentes, dores diferentes, crenças diferentes, paisagens diferentes, enfim…

Os filmes que eu vou falar a seguir são alguns dos que eu pessoalmente mais gosto, seja pelos personagens, seja pelas questões que eles abordam.


Vamos começar com Divino Amor, de Gabriel Mascaro. 

[ Era 2017. O Brasil tinha mudado. A festa mais importante do país não era mais o carnaval. Era a festa do Amor Supremo. A grande espera pela volta do Messias ]

O ano é 2027 e o Brasil se transforma numa República Evangélica, o que não é muito difícil de imaginar considerando o crescimento da população evangélica no Brasil. O carnaval, por exemplo, é substituído por grandes festas de música gospel; a tecnologia das portas dos edifícios é capaz de detectar se a pessoa está casada, solteira, divorciada, até mesmo se a mulher está grávida; e se os cidadãos não têm tempo de ir à igreja, é só passar num Drive Thru e receber uma benção do pastor. 

Neste cenário, conhecemos a Joana, uma escrivã de cartório que trabalha no setor de divórcios. 

Cartório, no Brasil, é como uma subdivisão de uma prefeitura onde se emitem documentos relacionados a nascimentos, casamentos, compra e venda de bens de alto valor, enfim, símbolo da burocracia. 

O problema é que para Joanna, o divórcio não é a melhor opção. Não é assim que Deus quer, ela pensa. Então ela usa o seu poder dentro dessa instituição, o cartório, para levar os clientes para participarem de uma terapia religiosa de reconciliação, ou seja, de união dos casais. Tudo em nome de um projeto maior, o projeto da manutenção da família, do amor de Deus e da fidelidade.

Eu vi esse filme na metade do ano, quando estava de férias aqui no Recife e gostei muito dessa visão que o diretor trouxe da sociedade brasileira maioritariamente evangélica porque apesar de ser um retrato exagerado, é uma coisa que tem sido muito notada no Brasil. 

O slogan de campanha do presidente Jair Bolsonaro foi Brasil acima de tudo, Deus acima de todos. É um lema historicamente Fascista, mas é um lema que agrada especialmente os religiosos desavisados (ou não). Com esse apelo ao conservadorismo e aos valores cristãos, o presidente conseguiu conquistar o apoio de religiosos a ponto de circularem fotos em que integrantes aparecem fazendo o sinal de arma com a mão dentro da igreja, em simbologia a uma das principais bandeiras de campanha presidencial do Bolsonaro: a liberação do porte de armas. 

Outro tema abordado pelo filme é justamente o fato de Joana usar o seu poder no estado para atuar de acordo com as suas ideologias religiosas. Obviamente, isso acontece em muitos países, no Brasil não poderia ser diferente. 

Hoje, a bancada evangélica do governo brasileiro conta com 91 parlamentares. Ou seja, 91 pessoas que esqueceram que o país é laico e, ao invés da constituição, se baseiam na bíblia – ou nos interesses de suas congregações governar. 

O que você acha desse assunto? Que tal mandar uma mensagem para mim e compartilhar a sua opinião? 


Agora imagine você morando de frente para a praia, num edifício pequeno, tranquilo, apenas quatro apartamentos, num bairro onde você viveu toda a sua vida, criou os seus filhos, viu o sol nascer pela janela do seu quarto tantas e tantas manhãs, enfim, o lugar onde você tem milhares de memórias afetivas. 

Aí de repente aparece um cara engravatado, que é como chamamos uma pessoa que se veste num traje mais sério, mais profissional, enfim, e esse cara engravatado diz que todos os seus vizinhos venderam seus apartamentos para a imobiliária em que ele trabalha e que o único apartamento que restou é o seu.  Ele fala que a Imobiliária tem a ideia de fazer um grande empreendimento no local, um grande edifício naquele mesmo lugar e que para fazer isso, precisa derrubar aquele prédio velho. Por isso, querem comprar o seu apartamento. 

E aí, você vende?

Esse é o dilema da Clara, personagem do filme Aquarius, do diretor pernambucano Kléber Mendonça. Clara vive no Recife, a cidade em que eu estou vivendo agora, e a verdade é que ela não está nem um pouco interessada em vender o seu imóvel.  Ela quer continuar levando a sua vida tranquila ali, ouvindo seus discos de vinil, tomando banho na praia, recebendo a família nas festas de fim de ano e a conta de luz e telefone, sem ter que ligar na companhia para mudar de endereço. Clara quer permanecer ali e deixar tudo do jeito que está. E, por isso, acaba passando por situações que escancaram, quer dizer, tornam visíveis a força da especulação imobiliária no Brasil.

Muito mais que a especulação imobiliária, o assunto que eu realmente gosto nesse filme e que também é uma coisa que reflete muito a sociedade brasileira é o conceito de velho e novo, quando se refere à arquitetura.

Muitas das cidades brasileiras que têm centros históricos, heranças da colonização, apresentam seus prédios e monumentos deteriorados, quer dizer, desgastados, velhos, caindo aos pedaços. É muito comum no Brasil ver cidades com centros históricos abandonados ou que deram lugar a construções mais modernas. Como se de alguma forma as cidades estivessem apagando a sua história. 

Claro que o Brasil tem instituições para proteger esses edifícios, afinal, são muitos: prédios, praças, igrejas, estátuas, etc, mas são muitas as cidades em que os centros históricos são tratados pelo poder público, a prefeitura, com nenhuma importância. Não é raro a gente encontrar um centro histórico abandonado, cheio de pessoas que vivem em situação de rua, aquela sensação de insegurança… Isso também acontece no seu país?

Deixe o seu comentário aqui na página da transcrição ou mande uma mensagem pelo Instagram @português.com.leni. 

Além do dilema da personagem, o filme conta com uma trilha sonora espetacular, caso você goste da música brasileira Eu vou deixar o link aqui na transcriação caso você queira ouvir. 

Outro filme do diretor Kleber Mendonça que foi muito bem-aceito pela crítica é O SOM AO REDOR.  Esse filme também se passa no Recife, no momento em que diante de um aumento na violência, os moradores de uma rua num bairro nobre da cidade decidem contratar um serviço de seguranças particulares para vigiarem os arredores da rua, garantirem a segurança do bairro. 

O tema da segurança foi retratada de uma forma muito real no filme, especialmente na forma como nós brasileiros lidamos com isso, mais especialmente com a falta de segurança. 

Você que ainda não veio ao Brasil, eu devo te prevenir de uma coisa: durante a sua estadia, muito provavelmente alguns brasileiros estarão em total estado de alerta com relação à sua segurança: não ande por ruas vazias, não fique distraído na rua com o celular na mão, não deixe suas coisas só; é mais seguro pegar um uber do que ir de ônibus. 

Sim, algumas cidades do Brasil são realmente bem violentas. O Rio de Janeiro tá aí para provar isso. Mas, de uma forma geral, acredito até que se vive uma paranoia de insegurança muito maior do que a realidade, sabe? As pessoas fazem questão de estar fechadas, em ambientes vigiados, com esse medo de estarem expostas à violência e com isso, acabam tornando as ruas cada vez mais vazias e os shoppings cada vez mais cheios. 

Nesse filme, O Som ao Redor, além desse fenômeno que é a segurança particular nas ruas, fazendo o trabalho que o Estado deveria fazer, garantir a sensação de insegurança nas ruas, há muitos outros elementos que falam como nós lidamos com a segurança. Especialmente, como a classe média lida com a segurança. Atenção aí para esse verbo: LIDAR. 

Os elementos estão lá: as câmeras de monitoramento espalhadas em cada canto dos edifícios, o cão bravo, as portarias 24 horas, aquela sensação de que a qualquer momento alguma coisa ruim pode acontecer. O som ao redor. Um filme brasileiro, feito no Nordeste, para ver e ouvir. 

Quem também tá dando o que falar este ano é A vida Invisível, do diretor cearense Karim Ainouz. A vida invisível é o filme brasileiro indicado a concorrer o Oscar 2020 de Melhor Filme em língua estrangeira. 

O roteiro é inspirado num livro da autora pernambucana Marta Batalha e conta a história de duas irmãs no Rio de Janeiro, de 1950. Eurídice tem 18 anos, Guida, sua irmã, tem 20, e as duas moram com os pais em um ambiente totalmente conservador. Cada uma tem um sonho. Eurídice o de se tornar uma pianista profissional e Guida de viver uma grande história de amor. Mas elas acabam sendo separadas pelo pai e forçadas a viver distantes uma da outra. Sozinhas, elas irão lutar para que um dia possam voltar a ser ver. 

Eu ainda não vi esse filme, mas todo mundo tá falando que é um filme emocionante, um melodrama, como dizem. E é uma obra muito feminista. Fala muito da força das mulheres, do poder destrutivo do machismo, principalmente numa época em que as mulheres não tinham tanta autonomia, fala bastante de resiliência, ou seja, dessa capacidade de superar obstáculos e se adaptar as mudanças. E é um filme que já ganhou a mostra “Un Certain Regard”, uma premiação paralela ao prêmio de Cannes, e que conta com a participação da atriz Fernanda Montenegro, uma grande atriz brasileira, então já sabemos que podemos esperar uma história bem emocionante. 


Todos os filmes que indiquei aqui estão disponíveis para assistir pelo Youtube, no YouTube Filmes. Então se você tem interesse em conhecer mais sobre esse cinema alternativo brasileiro, esse cinema que está ganhando o mundo pela sua criatividade e qualidade, vale a pena conferir.

É isso aí, gente. Chegamos ao fim do nosso episódio. Mais uma vez, foi mal pela demora, quer dizer, desculpa pela demora. Quer mandar o seu recado, sugerir algum tema, trocar ideia? Vai lá no instagram @Portugues.com.Leni. Esse foi o Fala, Gringo! O seu podcast de Português Brasileiro. Obrigado pela companhia e até o próximo.  

5 comentários em “EP 7 | O cinema feito no Nordeste do Brasil

  1. Oi, Leni, meu nome é Andrés. Eu sou um fã de “Fala gringo!”, mas só escuto pelo aplicativo Spotify. Quando não entendo alguma palavra, então leio o roteiro completo nesta página. Eu aprendi português no Equador, já fiz Celpe-bras e ainda estou esperando pelo resultado. Embora seja da Venezuela, moro em Quito há cinco anos e estou pronto para o casal com meu namorado. Gostei muito deste episódio, porque quando você falou sobre o filme Divino Amor (2019), me lembrei de uma história escrita pela autora Margaret Atwood, o romance se chama Handmaid’s tale, também tem uma versão de seriado. Ontem eu assiti este filme no YouTube, obrigado pela sua recomendação. Porem, tive a curiosidade de ler os comentários que as pessoas colocam debaixo do video e é justo o que você falou sobre os evangélicos no Brasil, eles são reacionários e muito conservadores; fico com medo do que possa acontecer no futuro para as pessoas como eu que somos minorias, a distopia que o filme recreia não está longe da realidade atual. Um abraço para você, saiba que pode contar comigo para seguir escutando seu programa. E se você e sua namorada vêm ao Equador, então são bem-vindos. Desculpe pela falta de ortografia.

    Curtir

    1. Oi Andrés! Muito obrigado pelo seu comentário. Sim, o fanatismo religioso tem aumentado bastante, por outro lado, as pessoas que defendem as liberdades individuais também. Pelo menos é assim que eu percebo. Nos resta ter fé na humanidade, né>

      No Brasil temos uma expressão que tem sido dita com certa frequência: “ninguém solta a mão de ninguém”. Espero que assim seja. Felicidades para você e o seu namorado. E parabéns pelo português, a ortografia está ótima.

      Um forte abraço!

      Curtir

  2. Olá, Leni. Tenho que agradecer você mais uma vez por um podcast cheio de interesse e novas palavras e expressões portuguesas. Me ajuda muito na aprendizagem de português. Há religiões baseadas na esperança e amor e outras na medo e odeia. Infelizmente nestes dias são os segundas que tem cada vez mais poder, novamente no Brasil. Contudo a primeira continua a proclamar a primazia da esperança e amor, também no Brasil e tem um grande ressonância na cultura. Não vejo a hora de ouvir o próximo podcast.

    Curtido por 1 pessoa

  3. Oi Leni
    Obrigado por este, e todos os podcasts, que você faz. São muito bem feitos e interessantes.
    Nesse podcast, você falou do estado de muitos centros históricos do Brasil e você pediu aos ouvintes que compartilhassem como são os centros históricos de seus países. No meu país, Inglaterra, nós temos também muitas cidades com centros históricos. Geralmente, esses lugares estão em boa condição. Talvez seja porque são protegidos por várias regras, mas também porque as pessoas querem viver nos centros históricos. São vistos como espaços com personalidade e também são perto das coisas interessantes que uma cidade pode oferecer, por exemplo bares, restaurantes, lojas e outros atrações.
    Obrigado mais uma vez pela sua ajuda!
    Abraço,
    Ed

    Curtir

Deixe um comentário

Preencha os seus dados abaixo ou clique em um ícone para log in:

Logo do WordPress.com

Você está comentando utilizando sua conta WordPress.com. Sair /  Alterar )

Foto do Facebook

Você está comentando utilizando sua conta Facebook. Sair /  Alterar )

Conectando a %s